Opinião

A nova ordem económica internacional e os seus aspetos geopolíticos

Partilho a minha intervenção no Fórum Lisboa, na faculdade de direito de Lisboa.

É com grande gosto que me junto a vós nesta ocasião para partilhar algumas reflexões sobre a nova ordem económica internacional e os seus aspetos geopolíticos — um campo de estudo onde economia, política, segurança e cultura se entrelaçam de forma inescapável.

Nos últimos quinze anos, temos assistido a uma transformação estrutural da ordem internacional. O que se apresentava como um mundo unipolar — dominado pelos Estados Unidos e por instituições multilaterais construídas no pós-Segunda Guerra Mundial — cede lugar, de forma progressiva e muitas vezes caótica, a um sistema internacional de traços multipolares, assimétricos e contestados.

A chamada Ordem Liberal Internacional, teorizada por autores como Ikenberry, assentava em três pilares: abertura económica, instituições multilaterais e valores normativos universais. Contudo, os eventos recentes — desde a crise financeira de 2008 até à pandemia de COVID-19 e à invasão da Ucrânia pela Rússia — expuseram as limitações desse modelo.

Hoje, o sistema internacional caracteriza-se menos pela integração e mais pela fragmentação estratégica. A ascensão de potências revisionistas e o recuo dos EUA da liderança multilateral durante certos períodos agravaram a erosão dessa ordem. A China, por exemplo, apresenta uma proposta alternativa de liderança internacional com base na conectividade infraestrutural, na centralidade do Estado e na não interferência nos assuntos internos.

O alargamento dos BRICS e o reforço do seu banco de desenvolvimento ilustram o que vários autores denominam de “regionalismo estratégico” — ou seja, a tentativa de redefinir as regras de governação económica global a partir de novas alianças sul-sul, com menor dependência das estruturas criadas pelo Ocidente.

A proposta de desdolarização das trocas comerciais, bem como o aumento de acordos bilaterais fora do sistema SWIFT, são indicativos de um sistema monetário internacional cada vez mais bifurcado. Embora o dólar continue dominante, é evidente o desejo de reequilibrar o sistema financeiro global, sobretudo em regiões historicamente marginalizadas nos fóruns tradicionais.

Outro eixo incontornável da nova ordem económica internacional é o da geoeconomia dos recursos. A transição energética e a corrida por minerais críticos — como lítio, níquel, cobalto e terras raras — estão a reconfigurar a geografia do poder. África, América do Sul e partes da Ásia voltam a ocupar uma centralidade estratégica, mas agora não apenas como exportadoras de matérias-primas, mas como atores com capacidade negocial crescente.

A guerra na Ucrânia trouxe ainda à tona a dimensão securitária da energia, forçando a Europa a diversificar fontes, repensar interdependências e acelerar a sua autonomia estratégica — conceito-chave no debate atual da política externa e de segurança comum da União Europeia.

Ao lado dos recursos físicos, emerge o domínio dos recursos intangíveis: dados, algoritmos, inteligência artificial. O poder contemporâneo mede-se também pela capacidade de armazenar, processar e monetizar informação.

Neste campo, o conflito sino-americano transcende tarifas ou propriedade intelectual: trata-se de uma disputa pela arquitetura da economia digital global. Assistimos a uma fragmentação da internet — o que alguns chamam de splinternet — e a uma crescente nacionalização da tecnologia, com impactos profundos na economia, na democracia e na soberania.

As instituições criadas em Bretton Woods enfrentam uma crise de legitimidade, eficácia e representatividade. O sistema de votação do FMI, o bloqueio do mecanismo de resolução de litígios da OMC, ou a paralisia do Conselho de Segurança da ONU, são sintomas de uma ordem global em exaustão normativa.

A ausência de reformas significativas agrava o risco de marginalização das instituições multilaterais. E paradoxalmente, quanto mais estas perdem relevância, mais se reforça a lógica das alianças bilaterais, dos clubes regionais e das economias de segurança fechadas — voltando, em certa medida, a um modelo pré-Westfaliano em termos de legitimidade do poder.

Permitam-me concluir com uma provocação:

Estamos perante o nascimento de uma nova ordem — ou o colapso desordenado da anterior?

A resposta não é linear. Há sinais de construção e de destruição, de cooperação e de competição, de esperança e de risco. O desafio do nosso tempo não é apenas compreender esta nova geopolítica económica — é contribuir para que ela seja mais inclusiva, mais equitativa e mais sustentável.

Portugal e a Europa devem posicionar-se como atores não apenas de adaptação, mas de influência construtiva. Através da diplomacia económica, da defesa do multilateralismo reformado e da aposta estratégica na ciência, na inovação e na autonomia tecnológica, temos a responsabilidade — enquanto académicos, decisores e cidadãos — de participar ativamente na configuração desta nova ordem.

Muito obrigado.

António José Seguro

09 de Julho, 2025